- setembro 8, 2022
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Em novo discurso machista, o presidente Jair Bolsonaro (PL) expôs a primeira-dama Michelle na celebração dos 200 anos da Independência do Brasil, ontem (7), ao insinuar uma comparação com a esposa de seu principal adversário na disputa pelo Planalto, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O episódio contribui para ampliar sua rejeição entre as mulheres, que são a maioria dos eleitores brasileiros — 53% do total, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral —, e, portanto, decisivas para uma eventual reeleição. A avaliação é de cientistas políticos ouvidos pelo InfoMoney.
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“Podemos fazer várias comparações, até entre as primeiras-damas. Não há o que discutir. Uma mulher de Deus, família e ativa na minha vida. Não é ao meu lado, não. Muitas vezes ela está é à minha frente”, disse o presidente.
“E eu tenho falado para os homens solteiros, para os solteiros que estão cansados de serem infelizes: procurem uma mulher, uma princesa, se case com ela para serem mais felizes ainda”, completou Bolsonaro, que em seguida puxou um coro com seus apoiadores repetindo a palavra “imbrochável”.
O episódio gerou críticas de seus adversários na disputa pelo Planalto. As duas mulheres no páreo foram as primeiras a se pronunciarem sobre o discurso — Simone Tebet, do MDB, chamou o presidente de machista, enquanto Soraya Thronicke, do União Brasil, disse que os brasileiros não querem saber se Bolsonaro é “imbrochável” ou não, mas sim se ele é “incorruptível”.
“Foi uma cena grotesca. Antes de tudo, é constrangedor e expõe a primeira-dama. Poderia ter sido mais elegante. As mulheres são muito atentas para esse tipo de deselegância. Nem todas as mulheres se sentem princesas, não é assim. Essa coisa de comparar [sua própria esposa] com mulheres dos outros é deselegante. Ele já fez isso uma vez em relação à esposa do Macron [presidente da França]. Não é legal, não pega bem”, diz o cientista político Carlos Melo, professor do Insper.
“A história do ‘imbrochável’ virou meme. Ele é o presidente da República, no dia em que se comemora os 200 anos da independência do país. Basta você comparar o que fizeram nos Estados Unidos em 1976, quando completaram 200 anos [de independência], com o que fez a França em 1989, quando completou 200 anos da Revolução Francesa, a gente ficou muito muito aquém. Ele transformou uma solenidade oficial, importante para a memória do país, em um ato de campanha”, completou.
Na visão de Melo, Bolsonaro “não consegue compreender as mulheres que não são evangélicas, conservadoras”. “E a maioria não é assim. Existe um contingente grande de mulheres que são modernas, têm uma enorme dificuldade para tocar a vida, e não são princesas. Ele mede os outros com a sua régua. Ele acha que o seu ideal de mulher, ou aquilo que ele tem, seja norma. Para um país que é diversificado, para uma sociedade que é ampla. Um erro”, afirmou.
Evangélicas
Vitor Oliveira, cientista político e sócio-diretor da consultoria Pulso Público, avalia que o presidente Bolsonaro e seus apoiadores, no geral, não conseguem dialogar com uma parte grande das mulheres. “Dialoga sim, de maneira muito intensa, com um grupo de mulheres que é bastante importante na sociedade e que de uma certa forma se associam aos valores que o bolsonarismo traz consigo: um conservadorismo, uma visão até um pouco patriarcal da sociedade”, disse.
“Tem elementos no discurso do Bolsonaro que o impedem ou dificultam que ele tenha uma relação mais orgânica com o público e com o eleitorado feminino. (…) A Michelle Bolsonaro tem sido muito instrumentalizada pela campanha do presidente. Ela parece mulher de pastor, não apenas pelo discurso, mas também pela maneira como ela se porta publicamente, sempre de alguma maneira à sombra do marido”, completou.
Oliveira citou que a primeira-dama tem ficado cada vez mais exposta à medida que Bolsonaro a usa para tentar dialogar com o eleitorado feminino. “Os esforços que têm sido feitos não diminuem esse gap. Eles estão muito mais no sentido de tentar ir na margem do que atualmente é a base do presidente e evitar que, por exemplo, mulheres evangélicas acabem votando no Lula. Me parece que é muito mais isso do que efetivamente conquistar um eleitorado feminino maior do que o que o presidente tem”, afirmou o cientista político.
Leandro Consentino, cientista político e professor do Insper, fala que as mensagens truncadas de Bolsonaro com o eleitorado feminino tendem a se refletir cada vez mais nas pesquisas de intenção de voto, de forma negativa à campanha de reeleição do presidente.
“A gente percebe claramente um problema do ponto de vista da comunicação do presidente com esse eleitorado feminino. Isso é uma dificuldade dele. (…) Ele precisa se aproximar das mulheres, só que essa comunicação é truncada, passa por falas que beiram ou até entram na misoginia e no machismo, e isso acaba sendo muito complicado, mesmo quando ele utiliza o ativo da sua esposa, a proximidade com a primeira-dama, ele acaba cometendo gafes ou falando de alguma forma que não seja bem interpretado”, disse.
“Isso não tem problema para a base social dele. A base social dele acha esse discurso correto, bacana, interessante. Só que ele não consegue avançar para um eleitorado feminino que não é típico da base social dele. E isso pode inclusive custar a ele pontos importantes nas pesquisas. Pode custar a ele votos importantes na eleição. Sobretudo se a gente pensar num eventual segundo turno. Cada vez que ele comete esse tipo de ‘sincericídio’, vamos chamar assim, cada vez que ele faz essas declarações ou toma essas atitudes, ele acaba dificultando a própria vida dele e a própria busca dele pela reeleição”, completou.
Pesquisas
Quando se fala em voto das mulheres, Bolsonaro tem tido uma performance ruim. Pesquisa Ipec divulgada nesta semana mostra que Bolsonaro tem 26% das intenções de voto entre o eleitorado feminino. No levantamento anterior, do final de agosto, ele tinha 29%.
Na pesquisa Datafolha divulgada em 1 de setembro, a intenção de voto em Bolsonaro entre as mulheres oscilou de 28% na semana anterior para 29%. Já a rejeição passou de 53% para 55%, ou seja, dentro da margem de erro de 2 pontos percentuais para mais ou para menos.
Foi o primeiro levantamento desde o debate entre os presidenciáveis organizado pelo Grupo Bandeirantes, no dia 28 de agosto, quando Bolsonaro protagonizou mais uma cena machista ao dizer à jornalista Vera Magalhães que ela “dormia pensando nele” e que ela era uma “vergonha para o jornalismo”.
Naquela mesma semana, a primeira-dama Michelle Bolsonaro apareceu intensamente em propagandas de rádio e TV. Sobre a rejeição do eleitorado feminino, Bolsonaro registra 20 pontos a mais que seu principal adversário, Lula, que passou de 34% para 35% no levantamento em questão.
No levantamento Genial/Quaest, Bolsonaro tem se mantido estável nas intenções de voto do público feminino desde julho, oscilando dentro da margem de erro de 3 pontos percentuais para mais ou para menos. Em julho, 28% das mulheres entrevistadas disseram que votariam no atual presidente, mesmo percentual visto na pesquisa de 3 de agosto.
Em 17 de agosto, o número aumentou para 30%, mas na sequência caiu para 29% em 31 de agosto. No entanto, Lula, seu principal adversário, também tem se mantido estável na pesquisa do Quaest, considerando apenas o eleitorado feminino, com 46% nos levantamentos de 3 e 17 de agosto, e 45% em 31 de agosto.